NOVAS DESCOBERTAS DO CONDE KOMA
Tema com muito a ser explorado ainda, a vida de Mitsuyo Maeda, maior lutador que o mundo conheceu, ainda esconde detalhes que aguçam a curiosidade dos pesquisadores e amantes das lutas.
Cada nova descoberta sobre a vida do Conde Koma ajuda a traçar com maior clareza como, quando e por onde andou o homem responsável por provar a supremacia do Judo de Kodokan e posteriormente por ensinar e dar oportunidade a Carlos Gracie criar a maior família de lutadores do planeta.
O trabalho de pesquisa sobre Maeda teve início com Stanlei Virgílio, Rildo Heros, José Tuffy Cairus e inspirou outros pesquisadores como Fabio Quio Takao, Elton Silva e Luiz Otavio Laydner que também contribuíram muito para enriquecer esse acervo. Com a crescente popularização das artes marciais, especialmente do Jiu Jitsu Gracie, cresce também o número de interessados em entender com detalhes como foi o início dessa saga.
Passaporte de Maeda - 1922 |
A chegada em São Paulo
Uma das novas descobertas altera a data e local de chegada ao Brasil de Maeda, que até então era tido como 14 de Novembro de 1914 em Porto Alegre.
Segundo o pesquisador Fabio Quio Takao: “De acordo com os novos documentos, ainda não temos a nova data exata da chegada de Maeda, mas certamente foi entre os primeiros dias de Julho de 1914, no porto de Santos. A comprovação é o anúncio do Jornal o Estado de São Paulo de 17 de Julho de 1914 onde um professor de Jiu Jitsu oferece aulas no bairro da Liberdade, tradicional reduto dos japoneses recém-chegados a São Paulo.”
Provavelmente após conhecer os potenciais locais de apresentação e promotores, Maeda realizaria suas primeiras demonstrações. O jornal Correio Paulistano de 23 de Setembro de 1914 fazia menção sobre a apresentação de um grupo de japoneses no Theatro Variedades, agora sim, citando o Conde Koma: “Estréia da afamada troupe de luctadores japonezes de jiu-jitsu dirigida pelo campeão mundial Conde Koma”.
Entre os combates em que tomaram parte os membros da trupe, além de Maeda e Satake, temos a participação de Okura, e uns tais Matsuura e Akiyama, esse último apresentado como “campeão de Tokyo”. De Raku e Shimizu, dois nomes que acompanharam Maeda e outras apresentações, nenhum sinal.
O Theatro Variedades era um local onde se apresentavam diversos cantores e artistas internacionais e estariam na mesma programação que seria encerrada por Maeda.
Luiz Laydner observa: “A temporada da trupe no Variedades esclarece que o Conde Koma não se apresentava no estilo “Clube da Luta”, em locais mal iluminados, nas zonas periféricas.”
Anúncio publicado no Jornal o Estado de São Paulo de 17 de Julho de 1914. O nome de Maeda não aparece ainda, porém algumas semanas depois as apresentações da trupe tem início. |
Aparentemente o público gostou do espetáculo de estreia, pois os jornais do dia seguinte traziam: “Sucesso assombroso da afamada troupe de luctadores japonezes”. A temporada no Variedades foi até o dia 22 de Outubro com grande sucesso de público. Após seu encerramento, o grupo se apresentou em curta temporada entre 12 e 15 de Novembro no Circo Spinelli.
O Spinelli era um circo-teatro montado há apenas alguns quarteirões do Variedades, no Largo do Arouche e que atraia um público bem diverso do Variedades e que ainda não havia assistido à apresentação dos japoneses.
Após a temporada na capital paulistana, só voltaremos a ter notícias do Conde Koma e sua trupe no final de Dezembro de 1914, em Ribeirão Preto, em curta temporada no Theatro Polytheama do empresário François Cassoulet. Provavelmente as apresentações no Polytheama foram parte de uma tournée maior pelo interior da São Paulo do ciclo do café e cujo registro completo não foi encontrado.
Um mistério que permanece é sobre a data e local informados no passaporte de Maeda: 14 de Novembro de 1914 em Porto Alegre. Nesse exato dia, como vimos, a trupe do Conde Koma se apresentou no Circo Spinelli em São Paulo, já se encontrando no Brasil há pelo menos dois meses.
Pela quantidade de jornais mencionando a passagem de Maeda por São Paulo nessa data e pelas conhecidas dificuldades da época na emissão de documentos com dados confiáveis é bastante provável que a data da passagem de Maeda por Porto Alegre tenha sido registrada ou informada de forma equivocada.
Mitsuyo Maeda – 1907 |
Conde Koma no Rio de Janeiro
Em 11 de Março 1915, anuncia-se no Rio de Janeiro algo inusitado: a realização do 2° Campeonato de Jiu Jitsu. Fica a dúvida se já houvera outro evento considerado por Maeda como sendo o 1° ou se isso fosse algum tipo de manobra para atrair mais atenção do público.
A Gazeta de Noticias anunciava:
“Fazem parte da ‘troupe’ os seguintes lutadores: Conde Koma, campeão mundial; Satake, campeão de Nova York; Okura, campeão do Chile; Matsuwra, campeão do Peru; Hara, campeão de Tokyo; Ja se acha no Rio o campeão da America do Norte Akiyama.” Como em São Paulo, nada de Shimizu nem de Raku.
Em entrevista a jornalistas, Maeda apresenta o grupo e lança o desafio aos cariocas oferecendo 5000 francos a quem o vencesse e 500 francos a quem lhe resistisse mais do que 15 minutos. É curioso que a quantia seja oferecida na moeda francesa e não na moeda brasileira na época, o conto de reis. A razão provavelmente nunca saberemos, mas no âmbito das conjecturas, podemos supor que Maeda tenha obtido esses francos em sua estada na Europa e os tenha preservado até o Brasil oferecendo-os a quem o vencesse, por onde passava.
Numa aproximada conversão de valores, 5000 francos equivaleriam hoje a aproximadamente 20000 dólares, uma quantia considerável para um desafio. Isso reflete a total confiança de Maeda em suas habilidades e também sua superioridade técnica, pois tal premiação se limitava apenas a adversários que vencessem o Conde Koma, mas não seus colegas na trupe que, como veremos, também aceitavam desafios.
Na mesma entrevista Maeda também apresenta e qualifica seus companheiros:
“Conde Koma, campeão mundial, vencedor da grande prova realizada na Inglaterra em 1914 (seria esse o 1° Campeonato Mundial considerado por Maeda?);
Satake, campeão de 1913 em Nova York; Shimuzu, campeão do Peru; Okura, campeão em 1914 no Chile; Raku, campeão em 1913 no México”
A descrição dos membros da trupe diverge daquele primeiro anúncio de sua vinda para o Rio de Janeiro, assim como também diverge dos lutadores que sabemos que se apresentaram em São Paulo.
Aqui aparece a formação “clássica” do grupo, da qual podemos ter razoável grau de certeza devido a lista acima ter sido apresentada pelo próprio Maeda em entrevista e por terem sido efetivamente esses os lutadores que se apresentaram no Rio de Janeiro.
As explicações para essa inconsistência podem ser várias. Uma delas é que a composição da trupe fosse variável, tendo Maeda, Satake e Okura como núcleo e os demais se alternando à medida que viajavam pelo mundo.
Foto tirada em Cuba-1912, onde aparecem parte do grupo que se apresentaria 2 anos mais tarde no Brasil. Da direita para esquerda: Conde Koma, Tokugoro Ito, Nobushiro Satake e Shutaro Ono, esse último o único a não vir ao Brasil.
Alternativa mais provável é que alguns membros do grupo se apresentassem sob pseudônimos ou nomes artísticos. Sabemos ser esse pelo menos dois casos: o do próprio Maeda,chamado de o Conde Koma e de Raku. É possível que Matsuwra, seja na realidade Shimizu e que Haru seja de fato Raku transcrito incorretamente. Quanto ao misterioso Akiyama, sabemos que esse não se apresentou no Rio de Janeiro.
Por ocasião de sua chegada ao Rio de Janeiro, Maeda introduziu os cariocas às regras das contendas que viriam a acontecer. Algumas regras deixavam clara a preocupação com a integridade dos lutadores, uma das diretrizes do Judo de Kodokan do qual Maeda era originário. Outras regras são com certeza resultado da longa experiência de Maeda em combates ao redor do mundo. Segundo o pesquisador Luiz Laydner :” a análise do texto com essas regras é muito importante, pois nos permite chegar a diversas hipóteses e conclusões”. Vejamos as regras e as conclusões:
“Regulamento da luta:
“1. Todo lutador devera se apresentar decente, com as unhas das mãos e dos pés perfeitamente cortadas;”
“2. Devera usar trage kimono, que o Conde Koma lhe facilitara.”
Maeda fazia questão do uso do kimono, sem o qual a aplicação de sua técnica ficaria muito prejudicada. A experiência com Wrestlers que lutavam sem camisa com certeza influenciou a adoção dessa regra.
“3. Não á permitido morder, arranhar, pegar com a cabeça ou com o punho;”
Nas apresentações feitas no Rio de Janeiro, concluímos então que as lutas não eram o que viria a se chamar “Vale Tudo”.
“4. Quando se fizer uso do pé nunca se fara com a ponta e sim com a curva;”
Novamente, uma regra que limitava o uso de chutes.
“5. Não se considera vencido o que tenha as espáduas em terra ainda que tenha caído primeiro;”
Mais uma regra que limitava a ação típica dos wrestlers e também se opunha a tendência do Judo Kodokan, que já nessa época adotara a regra de vitória por Ipon, ou golpe perfeito.
“6. O que se considera vencido o demonstrará dando três palmadas sobre o acolchoado e sobre o corpo do adversário;”
Assim como a regra 5, notamos aqui uma enorme semelhança com as regras do Jiu Jitsu esportivo atual, onde o objetivo era a finalização do adversário.
“7. O juiz considerará vencido o que por efeito da luta não se recorde que deve dar três palmadas;”
“8. As lutas se dividirão em rounds ou encontros de 5 minutos por 2 de descanso. Tendo o juiz de campo que contar os minutos em voz alta para Maior compreensão do público;”
“9. Se os lutadores caírem fora do tapete, sem que nenhum deles tenha avisado, o Sr. Juiz deve obrigá-los a colocar-se de novo no centro do acolchoado, em pé, frente a frente;”
Essa era a única condição para que a luta retornasse de pé assegurando, portanto, que a luta no solo fosse garantida e até mesmo priorizada. Junto com as regras 5 e 6, Maeda buscava somente as finalizações, o que seria uma tendência seguida pela primeira geração da família Gracie
“10. Substituirão em suas obrigações ao sr. Juiz os srs. Jurados. Nem a empresa nem o lutador que vencer é responsável pelo Maior mal que possa sobrevir ao vencido, se por tenacidade não quiser dar o sinal convencionado para terminar a luta e declarar-se vencido;”
“Ficam convidados os doutores em medicina, os representantes da imprensa local e os professores de physica e esgrima que se encontrarem no recinto a tomar parte no júri,...”;
Novamente outra demonstração com a segurança dos lutadores.
Sob o comando de Maeda,o espetáculo alternaria o “campeonato” onde se enfrentariam os membros da trupe, demonstração de técnicas de defesa pessoal, contra “diversos ataques por faca, soco, gravata, etc” além da demonstração dos diversos “golpes, inclusive os proibidos”. Além disso, o desafio aberto ao público também faria parte da temporada.
Maeda demonstrando chave de braço em treinamento na Guarda Civil do Rio de Janeiro- (Jornal A Noite -19 de Maio de 1915)
O Campeonato
Satake e Raku fazem a primeira luta do esperado Campeonato. Aos 2 minutos do 5º round, Satake encaixa uma chave de perna e Raku desiste. No dia seguinte, Shimizu vence Okura por chave de braço e em 3 de Maio os dois vencedores se encontram.
Shimizu e Satake se enfrentaram por cinco rounds sem que ninguém chegasse a uma finalização. Como a luta não poderia se encerrar por tempo, a continuação do combate é marcada para o dia seguinte.
Entretanto, surge o primeiro desafio à trupe e a luta de desempate tem que ser adiada. Em 4 de Maio de 1915, Raku encara o wrestler austríaco Goldbach e o vence por guilhotina no 5º round.
Os desafios externos se sucedem e no dia seguinte Satake vence o cossaco Matuchevic com um estrangulamento pelas costas no 4º round e em 6 de Maio Okura vence Petrovich com uma guilhotina no 2º round. Em 7 de Maio foi a vez de outro wrestler, Gosales, vencido por Satake numa chave de braço no 3º round.
Após a sucessão de desafios, Satake e Shimizu voltam a se enfrentar e novamente não houve decisão. A terceira luta entre ambos acontece em 9 de Maio e finalmente Satake vence Shimizu numa chave de perna aos dois minutos do 4º round.
Aparentemente, o primeiro desafio a Maeda valendo os 5.000 francos ocorre em 10 de Maio e não sabemos quem foi o oponente nem como transcorreu o combate vencido por Maeda.
Dois dias depois, Maeda participa de sua primeira luta com outro membro da trupe. O adversário foi Shimizu, mas a diferença de nível técnico era muito grande e Maeda venceu Shimizu facilmente com uma chave de braço no 4º round após dominar os primeiros três rounds.
Os desafios “externos” continuam no dia 13 e Maeda vence com facilidade Joaquim Gaudêncio Alves com uma chave de braço no 4º round. Dois dias depois Raku vence Paulo Jeolas no 4º round.
Após alguns dias, as lutas contra os voluntários que se apresentavam eram tão facilmente vencidas por Maeda e seus companheiros que o interesse do público arrefeceu. De fato, em 23 de Maio de 1915, Maeda e seus companheiros se apresentam pela última vez no Cine-Theatro Carlos Gomes.
Mas a história do Conde Koma no Rio de Janeiro não estava ainda terminada. Em 19 de Maio Maeda dá sua primeira aula para a Guarda Civil do Rio de Janeiro e podemos ver uma foto inédita até então onde Maeda demonstra uma chave de braço clássica. Mas as aulas não duraram muito e pouco depois é chegada a hora de partir. Em 6 de Junho de 1915 Maeda e seus companheiros deixam o Rio de Janeiro em direção a Belo Horizonte.
Anúncio de estréia do Conde Koma no Rio de Janeiro( Jornal O Paiz – 1° de Maio de 1915). Dez anos depois, Carlos Gracie iria inaugurar sua primeira academia na mesma cidade.
Rumo ao Nordeste
Sobre essa temporada em Minas Gerais não foram encontrados registros, e em 3 de Agosto, Maeda, Satake, Shimizu, Okura e Raku já haviam retornado ao Rio de Janeiro e embarcam no paquete Itapema rumo a Recife.
É nesse momento que entra em cena um personagem ausente até então: Tokugoro Ito. Tokugoro já havia acompanhado Maeda em Cuba, mas aparentemente não havia participado de nenhuma apresentação em São Paulo e no Rio de Janeiro, a menos que tenha usado algum pseudônimo.
Já em 26 de Agosto de 1915 a trupe estreia em mais uma temporada, dessa vez no Theatro Moderno da empresa Bandeira e Cia, no Recife. O misterioso Akiyama está de volta e seja quem for, participou da tournée da trupe em São Paulo, mas por alguma razão esteve ausente no Rio de Janeiro e novamente se juntou ao grupo em Recife onde temos registro de pelo menos duas lutas suas.
Por outro lado sabemos que Tokugoro Ito partiu do Rio com Maeda e seus demais companheiros no Itapema, conforme comprova o manifesto informando o nome dos passageiros publicado no jornal Gazeta de Noticias. Fica a questão: será que Akiyama era na realidade Ito, por alguma razão apresentando-se sob um pseudônimo?
O fato é que entre 26 de Agosto e 6 de Setembro a trupe se apresentou no Theatro Moderno, no formato já conhecido: lutas entre os membros do grupo e desafio do Conde Koma valendo 5.000 francos a quem o vencesse ou 500 francos a quem lhe resistisse por 15 minutos.
De luta contra desafiantes externos temos registro de apenas uma, de Okura contra Bianor de Oliveira. Finalmente em Outubro o grupo chegaria ao Pará, onde se apresentaria em temporada em Belém, no Bar Paraense. Em Dezembro a trupe se apresenta em curta temporada em São Luis, capital do Maranhão, no Theatro Cinema Palace entre os dias 7 e 10 de Dezembro de 1915 antes de finalmente chegar a Manaus, numa fase um pouco mais conhecida da vida do Conde Koma.
Novos temas
Livro de Maeda aguardando tradução.
Apesar da digitalização do acervo, o trabalho ainda é extenuante e segundo Laydner: “Ainda existem algumas lacunas a serem preenchidas na fascinante história do Conde Koma no Brasil, da trajetória precisa da trupe pelo interior de São Paulo e Minas Gerais até eventuais passagens por Porto Alegre e Salvador. Outra vasta área de pesquisa é o estudo de como evoluiu a técnica de Maeda ao longo de sua vida, do judoca da Kodokan no Japão, passando pelo wrestler que competiu no teatro Alhambra em Londres, pelo artista que se apresentou pelos palcos do Brasil até a convergência de volta ao judô kodokan ao longo de sua estada em Belém.”
Como vimos, os pesquisadores têm conseguido esclarecer muitos capítulos dessa epopeia e com isso atrair mais interessados nesse assunto que certamente está longe de se esgotar.
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